EU, UM ELEFANTE


O Pequeno Mamute
(guina, ano de 2001)

Bem, esta será a história da minha vida, ou da vida que vivi, aí na terra. Quando penso em tudo o que aconteceu e em como eu morri, sofro uma dor que aperta meu grande peito. As vezes eu choro. E choro muito por não entender como puderam mudar tudo em minha vida. Me escravizaram, e fui mantido acorrentado enquanto me batiam e eu só podia chorar e gritar, mas ninguém, dos que Caminham Sobre Dois Pés, me entendia. Como poderia entender um elefante? Passei fome por vários dias. Tive sede um milhão de vezes. E sob o sol escaldante, desmaiei. E sob a chuva fria, chorei. E sob o chicote, sangrei. E sob todas as humilhações e dores pensei em minha querida mãe e em como eu era feliz.

Eu sei... Vocês que estão lendo, não estão entendendo nada
do que eu digo. Mas, irão entender, pois eu vou falar do começo de tudo,
de onde e como tudo começou.

(...)

Quando nasci, uma grande elefanta, cinza, me chamava de filho. O que eu pude entender, depois, que era ela a minha mãe. Eu podia correr e brincar que ela sempre estava ao meu lado. Não só ela como todas as outras elefantas, porque existiam dois bandos bem distintos, o dos machos, que viviam sempre afastados com um grande lider e o das fêmeas que, também, seguiam a matriarca. Os bandos se encontravam na época de se acasalarem. Era, o bando feminino, cheio de cuidados com os filhotes, e principalmente, com os recem nascidos. Todas as fêmeas tornavam-se protetoras tanto quanto a mãe. Elas me ensinavam a alimentar, a me banhar e me acarinhavam sempre. Eu era um pequeno elefante feliz, muito feliz. Lembro da primeira vez que fomos para a lagoa nos banhar, eu tinha acabado de nascer e ainda andava meio desequilibrado, porque não tinha forças nas minhas pernas, quando cheguei na beira no lago, como não conhecia ainda água, levei um escorregão e deslizei para dentro do lago e logo todas as elefantas estavam me puxando pela tromba e outras me empurrando para fora do lago. Minha mãe chamava-me de o Pequeno Mamute, porque, ela dizia, eu me parecia com o meu pai, o Grande Mamute. Mas, eu nunca o conheci, nem nunca o vi. Ela dizia, que ele era o chefe da manada, que todos o respeitava por temê-lo muito. E sempre, quando anoitecia tinha algum, dos elefantes mais velhos, contando histórias do meu pai, o Grande Mamute.

(...)

Numa dessas noites, o velho Presa Torta contou que...
Uma vez, um Leão Rei aproximou-se da nossa manada, com o olhar faminto e selvagem fixo num dos filhotes do Grande Mamute. O Leão Rei era o dobro do tamanho do filhote e se arrastava pela relva na direção da manada distraída. Como todo felino, ele era ágio e não fazia barulho. Conservava o olhar sempre fixo no filhote. Mas, lá do alto da colina o Grande Mamute assistia a tudo. Então, ele soprou pela sua tromba um grito de alerta que ecoou por todo o vale e floresta. Pássaros voavam, crocodilos arrastavam-se rapidamente para os rios, e os outros animais corriam velozmente. E nós, disse o velho Presa Torta, que conhecíamos a mensagem, corremos para a colina onde estava o Grande Mamute, que descia correndo e passou por entre a manada como um raio para cima do Leão Rei, que por um momento, ficara paralisado por causa daquele estrondo repentino da manada, mas no instante seguinte, já estava atras da gente.

O Grande Mamute atropelou o Leão Rei que saiu rolando sem nada entender. Mas, o grande felino era ágio e forte, então foi para o ataque saltando para cima do Grande Mamute, que moveu a sua imensa cabeça para o lado, deixando a presa direita erguida e foi lá aonde o Leão Rei se estatelou, dando um grande urro de dor. O Leão Rei se debatia ainda vivo, e ao se debater tentando livrar-se daquela presa fincada no seu peito, desferiu vários golpes, com suas grandes patas, na tromba do Grande Mamute. Mas, a dor era muito forte e ele não resistiu e logo pereceu A tromba do Grande Mamute ficou com uma boa parte rasgada e sangrado muito. E foi a partir dai, que começamos a chama-lo de o Grande Mamute de Tromba Rasgada, o matador de leões. E desde então, jamais fomos atacados por leões ou qualquer outro felino.

(...)

Essa era uma das muitas histórias que os mais velhos contavam sobre o meu pai, mas ninguém nunca falou-me onde ele estava e porque que eu nunca o via. Mesmo assim, vivíamos muito feliz. Tínhamos muita fartura,
muitas folhas para comer e muitos rios e lagos para beber ou banhar-se, quando ficávamos com muito calor ou sujo, mas sujo era preciso ficar, e ficávamos sempre enlameados para nos livrar dos parasitas. Eu, sempre estava próximo da minha mãe, por mais que eu corresse e fosse brincar com os outros filhotes, ela sempre estava por perto. Me ensinava o que comer e muitas vezes me dava banho e brincava comigo. A minha mãe era grande, gorda e muito alegre. A manada vivia sempre junta e unida. Sempre havia decisões em comum para irmos para alguma lagoa ou para comer. Estávamos quase sempre próximo de algum rio, mais os lagos eram mais constate por não terem tantas pedras e correnteza como nos rios.
A nossa vida era mesmo uma maravilha e os dias seguiam, assim, sem problemas. O sol forte não me incomodava, minha mãe protegia-me. Da chuva eu, também, tinha a proteção dela. Mas, aconteceu que, a manhã, amanheceu com o sopro diferente do vento. O cheiro era fora de tudo o que eu já tinha sentido.

Minha mãe estava em alerta e todos os grandes elefantes da manada gritavam. Então, apareceram os que Caminham Sobre Dois Pés. Eles tinham em suas mãos pequenas árvores que cuspiam fogo. Foi aquele alvoroço, aquele corre-corre de animais de todas as espécies sem saber para onde ir. Eu corria como podia, atrás da minha mãe, mas eu não conseguia correr como ela e fui ficando para traz. Ela olho para traz e me viu perdido. Eu estava muito desesperado, sem saber o que fazer. Então, ela voltou para me acompanhar e me proteger, mas vários fogos atingiram-na e ela caiu ao meu lado me olhando. Seus olhos choraram, mas não piscavam, e eu gritava.

- Mamãe levanta! Levanta mãe!

Mas, ela não me respondia, ela ficou lá dormindo com os olhos abertos. Vi que lá aonde os fogos tinham entrado, também estava chorando, mas as lágrimas eram vermelhas como algumas flores dos campos. Daí, chegaram os que Caminham Sobre Dois Pés, me puseram um anel brilhante em minha pata traseira e me puxavam, mas eu não queria ir, não queria deixar a minha mãe ali, porque eu queria ficar perto dela e esperar ela acordar. Então, me puseram numa caixa que, também, brilhava e me levantaram para dentro de uma casa que andava. Dali, eu fiquei vendo eles arrancarem as presas dos elefantes grandes que estavam dormindo, inclusive os da minha mãe. Eu fiquei gritando e batendo na caixa brilhante com a cabeça, mas veio um dos que Caminham Sobre Dois Pés e ficou me espetando e me batendo, aí eu tive que ficar só chorando sem bater com a cabeça nas varas brilhantes como o anel.

Me levaram dali. E ainda dentro da caixa brilhante, me transportaram para dentro de uma coisa grande que flutuava sobre o grande rio. Havia vários outros animais presos, como eu. Foi quando tudo escureceu para todos nós, e ficamos na escuridão por muito, mais muito tempo mesmo.

Quando eu dormia, eu sonhava com a minha mãe, sempre dormindo lá no chão e sem as suas duas presas. Mas, nos sonhos, eu podia ficar perto dela, beija-la... mas ela não acordava nunca um dia, a luz voltou e iluminou a escuridão. Isso quase cegou nossos olhos, que tivemos de fecha-los novamente e ir abrindo aos poucos, porque doía muito. Nós já estávamos por demais acostumados com a escuridão. Mas, ainda continuava escuro em algumas partes, pois no céu, abrira-se apenas um quadradinho lá no alto, por onde passava a luz do sol.

A grande coisa flutuante n„o balançava mais. Então, lá em cima, na escuridão do céu abriu-se um quadrado maior fazendo a clara luz do sol entrar e clarear mais aonde nós estávamos. Tiraram-nos todos dali, cada um em sua caixa brilhante, que já não brilhava mais como antes. O cheiro era terrível, mas só percebi isso, quando me tiraram daquele buraco escuro e fétido. Eu estava magro, na verdade não sei como havia sobrevivido todo aquele tempo sem alimentação abundante que tinha e sem minha mãe. Eu mal conseguia ficar em pé e a pele mostrava meus ossos esqueléticos. O cansaço era menor do que o constante pensar em minha mãe, mas eu não tinha mais forças para reagir a algo que fosse contra minha vontade... me tiraram de dentro da caixa de ferro sob ferrões e chicotes e me arrastaram como um nada muito pesado e incômodo.

Uma noite sonhei com minha mãe falando coisas que não entendia, mas hoje sei muito bem o que ela tentava me dizer. Eu era jovem demais para entender. Os sonhos não pararam e eram sempre os mesmos. Ela dizia:

- Corra meu filho, corra! - Não olhe para traz! Fuja, Fuja! – Ela gritava desesperada.

Mas, eu nunca soube porque que ela me dizia aquilo, não enquanto eu ainda estava vivo. Quando ela caiu, eu não soube entender a voz dos seus olhos que me mandava correr, fugir, mas eu no podia ouvi-la. Agora, que estou aqui com ela, sei ela estava tão desesperada quanto eu, e mesmo sem que a visse esteve ao meu lado tentando me ajudar, mas ela era invisível como o vento.

(...)

Voltando ao que´u dizia. Me levaram para um lugar grande e colorido como as flores dos campos depois que o período de gelo passava. Lá encontrei outros elefantes, mas eles eram tristes e seus corpos, rasgados, estropiados...